I - Abertura do Brasil às expedições europeias
Até a vinda da corte portuguesa em 1808, o Brasil viveu um período de isolacionismo de três séculos, intencionalmente deliberado pelo reino Português, que queria a eternização da exploração colonial e a eterna dependência política e econômica.
Com a vinda da corte portuguesa, uma das primeiras medidas necessárias foi a abertura dos portos ao comércio das nações amigas, condição para manter o fluxo de divisas que sustentaria o reino português.
No mundo inteiro acontecia nessa época a explosão das luzes, a filosofia dos iluministas com a valorização do homem, da razão e quebra das relações de dominação feudais.
Explorações de cientistas naturalistas já aconteciam nos países do domínio espanhol mas permaneciam interditadas no domínio português.
Com a abertura do comércio, o novo prestígio alcançado pela colônia enquanto sede da monarquia portuguesa e a troca de informações entre os viajantes, despertaram a curiosidade de pessoas e organizações quer fossem de natureza diplomática, comercial, artística ou mesmo aventureira.
O importante, é que esses viajantes descortinaram ao olhar europeu uma renovada concepção sobre a paisagem, a sociedade e a cultura do Novo Mundo. “A curiosidade tão longamente refreada pode agora expandir-se".
As expedições científicas que começaram a acontecer no período oitocentista tinham como objetivo a aplicação do pensamento racional; a dessacralização da natureza; a utilização do pensamento científico, como substituto laico da religião e a idéia de progresso, como consequência inevitável da intervenção do homem sobre a natureza ” .
Foi nesse ambiente que veio ao Brasil em 1816, a Missão artística francesa convidada por Dom João VI, e em 1824 a expedição de Langsdorff financiada em parte pelo Czar russo e parte pelo recém criado império brasileiro.
II - João Maurício Rugendas
Johann Moritz Rugendas (Augsburgo, 29 de março de 1802 — Weilheim an der Teck, 29 de maio de 1858) foi um pintor alemão que viajou por todo o Brasil durante o período de 1822 a 1825, pintando os povos e costumes que ele pode encontrar. Rugendas era o nome que usava para assinar suas obras. Cursou a Academia de Belas-Artes de Munique, especializando-se na arte do desenho.
Nasceu em uma família de artistas em Augsburgo, após as Guerras Napoleônicas, uma cidade do recém-criado Reino da Baviera em 1806. Estudou pintura com Albrecht Adam e posteriormente na Academia de Belas Artes de Munique. Integrou como desenhista e pintor a missão do barão de Georg Heinrich von Langsdorff e permaneceu no Brasil três anos.
Motivado pelo naturalista Alexander Humboldt (1769-1859) em Paris, Rugendas viajou para o México em 1831, com projeto de viagem pela América com objetivo de reunir material para nova publicação.
III. - Langersdorrf
O barão Georg Heinrich von Langsdorff nasceu em Wöllstein, Ducado de Nassau, 18 de fevereiro de 1774. Ele foi médico, naturalista e explorador, e tendo se naturalizado russo, foi também diplomata desse país no Brasil.
Em São Petersburgo, foi nomeado cônsul-geral da Rússia no Rio de Janeiro, por Alexandre I. Chegou ao Rio de Janeiro em 1813, e lá levou uma vida intensa e ativa, estudando história natural. Consta que apenas de borboletas chegou a reunir perto de 1600 espécies. Publicou em colaboração com F.D.L. von Fischer os resultados de uma pesquisa em Santa Catarina: "Plantes recueillies pendant le voyage des Russes autour de Monde".
Em 1816, seguiu com Saint- Hilaire em viagem por Minas Gerais, pernoitaram na casa do amigo Wilhelm Ludwig von Eschwege em Vila Rica, foram juntos até o Inficionado, no Santuário do Caraça, donde retornou.
Em 1820 Langsdorff voltou para a Europa onde publicou em 1821 o livro, traduzido para o português por A. M. de Sampaio, Memórias sobre o Brasil, para servir de guia àqueles que nele dewejavam se estabelecer (Rio, Silva Porto, 1822).
Por volta de 1821, em São Petersburgo, foi nomeado barão. No ano seguinte, o agora barão de Langsdorff retornou ao Brasil, agora não como explorador, mas sim na qualidade de embaixador do czar da Rússia no Rio de Janeiro.
Langsdorff conseguiu convencer o Czar russo a patrocinar uma missão científica de exploração ao Brasil, a qual se iniciaria em 1824.
IV - A Expedição de Langsdorff
A Expedição Langsdorff foi uma expedição russa organizada e chefiada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff, médico alemão naturalizado russo, que percorreu, entre os anos de 1824 a 1829, mais de dezesseis mil quilômetros pelo interior do Brasil, fazendo registros dos aspectos mais variados de sua natureza e sociedade, constituindo o mais completo inventário do Brasil.
A expedição fazia parte do esforço do Governo do Czar Alexandre I para reavivar as relações comerciais entre o Brasil e a Rússia que haviam sido muito prejudicadas pelo embargo imposto por D. João VI. Contando com o apoio do jovem Imperador D. Pedro I e de José Bonifácio que forneceram, em nome do Império, créditos vultosos e vantagens alfandegárias a expedição visava "descobertas científicas, investigações geográficas, estatísticas e o estudo de produtos desconhecidos no comércio"
As pesquisas se iniciaram com breves viagens a Minas Gerais, em 1824, e pelo interior do estado de São Paulo, em setembro de 1825.
A viagem se realizou em duas partes. A primeira, em 1824, em Minas Gerais. Nessa primeira etapa, Johann Moritz Rugendas realizou inúmeras pinturas. Depois, dessa viagem, Rugendas se desentendeu com Langsdorff e desistiu de acompanhar a expedição russa, seguindo trajetória própria. O substituto de Rugendas foi Aimé-Taunay que se encontrava no Brasil.
Após consultar pessoas de sua confiança do interior da Província de São Paulo, o Barão de Langsdorff decidiu que a segunda etapa da viagem – para o interior do país - seria feita por rios.
Índios Apiacás - Taunay |
O Retorno: De Belém (Pará) ao Rio de Janeiro, o retorno se deu pela costa brasileira. O barco aportou a capital do Império em 10 de março de 1829. O diário de bordo de Hércules foi publicado em 1875, pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, sendo que posteriormente, teve várias edições comerciais, com o título de “Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas – 1825- 1829”.
O diário de Langsdorff foi publicado no Brasil em 1997, pela Editora Fiocruz, depois de um intenso trabalho de pesquisadores e cientistas.
V - O trabalho de Rugendas
O livro de Rugendas está dividido em quatro partes: I- Paisagens (Paisagens, com vistas do Rio de Janeiro, Minas, Bahia e Pernambuco ); II- Tipos e Costumes (formada por quatro seções onde se introduz a população indígena, negra e branca); III - Usos e Costumes dos Índios (dividida entre costumes dos Índios e a vida dos Europeus); IV. - Usos e Costumes dos Negros;
a) Parte I - Paisagens
"A paisagem na "Viagem Pitoresca" foi concebida a partir do entendimento de uma base naturalística, mas seguramente já é uma paisagem cultural. O primeiro capítulo (Paisagens) trata de introduzir geograficamente o leitor europeu nessa realidade exótica e distante, mostrando um conhecimento amplo das regiões do país : “Se pesquisarmos as causas e as circunstâncias que provocaram essas divisões pitorescas, nós as encontraremos, evidentemente, nas diferenças de clima e solo” .
As referidas divisões pitorescas são, de fato, paisagísticas, exatamente por decorrerem de uma configuração natural sobre a qual posteriormente procura inserir o trabalho humano . É uma paisagem pensada em termos abrangentes de terra, clima, vegetação, nação e fruição e interpretada a partir de uma visão geopolítica e de um conhecimento científico e utilitário da natureza. Essa concepção nos aproxima de Humboldt, para quem o caráter nacional e o temperamento dos espíritos são formados sob influência de circunstâncias climatéricas (Sandeville Jr. 1999:207). Assim, podemos perceber que para Rugendas, como para Humboldt, a paisagem é o resultado de qualidades regionais intrinsecamente ligadas à história da civilização e ao meio geográfico." (SANDEVILLE JUNIOR, Euler - Johann Moritz Rugendas: vivência,
observação e invenção de uma natureza tropical brasileira)
a.1) Fóret Vierge prés Manqueritipa
Conforme Rugendas: “Para estabelecer uma comparação entre as florestas do Brasil e as mais belas e antigas do nosso continente, - não basta ressaltar apenas a maior extensão das primeiras, ou o tamanho das árvores, faz-se imprescindível assinalar ainda, como diferenças características, as variedades infinitas das formas dos troncos e das fôlhas e dos galhos, além da riqueza das flôres e da indizível abundância de plantas inferiores e trepadeiras que preenchem os intervalos existentes entre as árvores, contornam-nas e enlaçam-lhe os galhos, formando dessa maneira um verdadeiro caos vegetal. Nossas florestas não podem sequer dar-nos uma idéia mesmo longínqua. [...] Aqui a natureza produz e destrói com o vigor e a plenitude da mocidade: dir-se-ia que revela com desdém seus segredos e tesouros diante do homem, o qual se sente atônito e humilhado ante essa fôrça e essa liberdade de criação”
b) Parte II Tipos e Costumes
"Os índios despertavam a curiosidade do europeu como povos e talvez raça considerados em estado primitivo e, ao mesmo tempo, em estado de pureza diante do artificialismo da civilização européia. Segundo nossa interpretação do álbum, os índios aparecem apenas a partir do contato com o europeu na floresta, seu “ambiente natural”. A partir daí são descritas e desenhadas várias cenas típicas da vida do índio, mas não seus utensílios e habitações, até a sua absorção gradual numa paisagem humanizada, prenunciando o ponto em que o índio desaparece." (SANDEVILLE JUNIOR, Euler - Johann Moritz Rugendas: vivência, observação e invenção de uma natureza tropical brasileira)
b.1) - Famille Indienne
b.2 - Négre e Negresse dans une Plantation
Ao contrário de Debret, Rugendas não se dispôs a fazer uma crônica real da situação brasileira. Como artista, Rugendas se empenhou em criar uma situação idealizada da vida, dos costumes e das pessoas que habitavam o Brasil na época. Os corpos de negros e índios são representados em estilo clássico, os traços suavizados e europeizados, bem como é amenizada a situação dos escravos (o trabalho é mostrado como atividade quase lúdica em pranchas como Preparação da Raiz de Mandioca . Já na época de sua publicação, o seu livro Voyage Pittoresque recebeu críticas por seu caráter pouco documental. Entretanto, ele alcançou êxito junto ao grande público, circulando no Brasil em edição francesa com grande sucesso, talvez por causa da maneira benevolente com que retrata a sociedade oitocentista.
c) Parte III - Usos e Costumes dos Índios / Vida dos Europeus
c.1 - Indiens dans leur cabane
d) - Parte IV - Usos e Costumes dos Negros
d.1- Preparation de la Racine de Mendioca
Debret e Rugendas mencionam a mandioca com frequencia em seus textos e gravuras. A gravura abaixo de Rugendas representa o trabalho dos escravos na preparação da mandioca. Observe que apesar de sabermos que o trabalho é pesado e eles estarem representados com o dorso nu (os homens), não se vê em nenhum deles expressão de dor, cansaço ou sofrimento. Até a postura do capataz, parece ser a de quem está levando uma prosa com os trabalhadores sem nenhuma opressão.
Referindo-se a uma das várias espécies da mandioca, o aipim, Gabriel Soares de Souza, em Tratado Descritivo do Brasil (1587), diz que: “Dá na nossa terra outra casta de mandioca, que o gentio chama aipins, cujas raízes são da feição da mesma mandioca, e para se recolherem estas raízes as conhecem os índios pela cor dos ramos, no que atinam poucos portugueses. E estas raízes dos aipins são alvíssimas; [...]
Destes aipins se aproveitam nas povoações novas, porque como são de cinco meses, se começam a comer assadas, e como passam de seis meses fazem-se duros, e não se assam bem, mas servem então para beijus e para farinha fresca, que é mais doce que a da mandioca, as quais raízes duram pouco debaixo da terra, e como passam de oito meses, apodrecem muito. Os índios se valem dos aipins para nas suas festas fazerem deles cozidos seus vinhos, para o que os plantam mais que para os comerem assados, como fazem os portugueses”. (In: Cascudo, 1988). (MANDIOCA E FARINHA: subsistência e tradição cultural - Maria Dina Nogueira Pinto)
d.3 - Jogar Capoera ou danse de la guerre
Rugendas: "Muito mais violento é outro jogo guerreiro dos negros, Jogar capoeira, que consiste em procurar se derrubar um o outro com golpes com a cabeça no peito, que se evitam pelo meio de hábeis saltos de lado e paradas. Enquanto se lançam um contra ou outro mais ou menos como bodes, as vezes as cabeças chocam-se terrivelmente.
Assim acontece não raro, que a brincadeira vira briga de verdade e que uma cabeça ou uma faca ensangüentadas fazem o fim do jogo."
"Para realizar as fugas, o negro entendeu que precisava lutar. Não tinha acesso a armas nem a qualquer outro recurso de guerra. Tinha apenas seu corpo e a vontade férrea de se ver em liberdade. Havia trazido da África lembrança de jogos e "dança das zebras", disputa festiva pelo amor de uma mulher. O próprio trabalho pesado dotava-lhe de força os músculos. Era preciso juntar e canalizar essa agilidade e força para a luta. A observação do comportamento de alguns animais brasileiros, particularmente o lagarto, a cobra e a onça, que atacam e defendem-se com destreza, ajudou na formação de um conjunto de movimentos que reuniu, então, a agilidade, a técnica e a força.
Começaram a ser ensaiadas, inicialmente, as rasteiras, os pulos, as cabeçadas que iriam se desenvolver muito mais posteriormente. Era o início da capoeira, uma dança mortal que sobrevive até hoje como uma legítima arte marcial."
(https://www.profjuliososa.com.br/2013/05/danse-de-la-guerre-de-johann-moritz.html)
V. - Referências
Wikipedia - Johann Moritz Rugendas / Langsdorff / Expedição de Langsdorff
Livro - Viagem Pitoresca através do Brasil - Johann Moritz Rugendas
SANDEVILLE JUNIOR, Euler. Johann Moritz Rugendas: vivência, observação e invenção de uma natureza tropical brasileira
MANDIOCA E FARINHA: subsistência e tradição cultural - Maria Dina Nogueira Pinto
Danse de la guerre:
https://www.profjuliososa.com.br/2013/05/danse-de-la-guerre-de-johann-moritz.html)
DA CONSTRUÇÃO DO OLHAR EUROPEU SOBRE O NOVO MUNDO AO (RE) DESCOBRIMENTO DO REINO TROPICAL - Dissertação de Mestrado de MARGARIDA MARIA DA SILVA CORRÊA para a Universidade de Goiás.
DA CONSTRUÇÃO DO OLHAR EUROPEU SOBRE O NOVO MUNDO AO (RE) DESCOBRIMENTO DO REINO TROPICAL - Dissertação de Mestrado de MARGARIDA MARIA DA SILVA CORRÊA para a Universidade de Goiás.