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terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Cristandade, Mosteiros e Abadias no período de Carlos Magno

 I. - A sustentação recíproca do poder religioso com o poder temporal.


A partir da região de Nóscia na Itália as regras de São Bento se tornavam a grande referência  para a vida monástica e as viagens do monge irlandês São Columbano e seu grupo impulsionaram um grande movimento de fundação de mosteiros. A europa viu então florescer uma notável cultura literária e artística graças aos laços estreitos que se formaram entre o papado e a dinastia carolíngia (Carlos Magno).

Quadro mostrando a coroação de Carlos Magno como imperador do Sacro Império Romano. No quadro o imperador está ajoelhado e o Papa seguar a coroa para colocar na sua cabeça
Coroação de Carlos Magno como Imperador do "Sacro Império Romano".

De fato, a partir da vitória de Carlos Martel, sobre os árabes em Poitiers, passando por Pepino o Breve, coroado rei dos francos, chegando ao ápice com a coroação de Carlos Magno pelo papa Leão II, os soberanos asseguravam à igreja com sua proteção armada e em contra-partida usavam de suas bençãos e capilaridade já existentes das igrejas e mosteiros cristãos, para dar unidade e legitimidade aos seus reinados e impérios. 

Os mosteiros / abadias que agora tinham o seu prior  indicado pelo imperador passavam a ser bastiões do poder temporal.

I.1 - A invasão islâmica da peninsúla ibérica


A partir de 711 até 713, tropas islâmicas oriundas do Norte de África, sob o comando do general berbere Tárique, cruzaram o estreito de Gibraltar e penetraram na península Ibérica. Venceram Rodrigo, o último rei dos Visigodos da Hispânia, na batalha de Guadalete, terminando o Reino Visigótico.

quadro de uma batalha da invasão islâmica na peninsula ibérica
Invasão Islâmica na peninsula ibérica


Nos anos seguintes, os muçulmanos foram alargando as suas conquistas na Península, assenhorando-se do território designado em língua árabe como Al-Andalus, que governaram por quase oitocentos anos.

Os exércitos  mouros continuaram sua tentativa de expansão avançando em direção do reino dos francos até que foi contido por Carlos Martel na região de Tours, o que os fez recuar e permanecerem limitados à peninsula ibérica sem novas tentativas por essa região.

I.2 - Carlos Marttel e a Batalha de Poitiers / Batalha de Tours (732)


A batalha de Poitiers / Tours, ocorrida em 732, foi travada entre os francos liderados por Carlos Marttel, governante dos francos na região, e os os mouros, do exército do Alandalus, liderado por Algafequi, governante de Córdoba sob domínio do Califado Omíada de Damasco.

quadro da batalha de Tours que deteve a expansão islâmica na Europa. Os francos foram liderados pro CArlos MArtel
Batalha que deteve o avanço dos muçulmanos no continente europeu


Esta batalha é citada como sendo o marco do final da expansão muçulmana na Europa medieval. O exército franco postou-se junto à cidade de Tours, para sua defesa. O ataque muçulmano foi rechaçado, com a morte de seu comandante, junto à cidade de Poitiers.

Essa vitória é de grande importância para os cristãos pois acredita-se que se os francos não detivessem o avanço árabe, o Islã provavelmente teria invadido a Gália e, talvez, o restante da Europa cristã ocidentalMuitos acreditam claramente que os muçulmanos teriam conquistado de Roma ao rio Reno e até mesmo a Inglaterra com facilidade.

 I.3 - Pepino o Breve coroado Rei dos Francos / Aliança com A Igreja


Neste período de declínio da dinastia merovíngia, os reis legítimos não tinham mais autoridade: os verdadeiros líderes do Estado eram os prefeitos dos palácios, especialmente quando se tratava de homens enérgicos, como Carlos Martel.

quadro com o rosto de Pepino o Breve
Pepino, o Breve
Pepino III, também conhecido como Pepino, o Breve ou Pepino, o Moço, foi o filho mais novo de Carlos Martel.

Em 751, ele astutamente questionou ao papa quem deveria ser considerado Rei dos francos, se os da fraca dinastia merovingia ou os que tinham o poder de fato. Pepino sabia que estava fortalecido pelas vitórias da sua casa contra o islã. Ele logo recebeu a confirmação e foi proclamado Rei dos Francos, em ofício da Igreja Católica pelo papa Zacarias. Em contrapartida ele protegeria o Papado.


Oficialmente 751 é o ano em que iniciou-se a soberania dos reis Francos sobre a Europa, e que veio a ser denominada dinastia carolíngia. O seu reinado se estendeu até sua morte em 768. Foi a primeira investidura de um soberano na história por determinação de um pontífice.

Sua proclamação pretensamente recriou assim o antigo Império Romano do Ocidente.

Após a morte de Pepino em 768, o reino foi dividido entre seus filhos Carlomano e Carlos. Em 771 Carlomano morre e Carlos (768 a 814) passa a ser o único herdeiro. 

I.4 - Carlos Magno expande o domínio e influência dos francos por toda a Europa


Seu filho mais velho Carlos Magno, após sua morte, assumiu o trono e expande seu domínio e influência, consolidando a dinastia Carolíngia que, pelos séculos seguintes, foi a soberana na Europa.

quadro de Carlos MAgno em suas vestes imperiais douradas, segurando em uma das mãos uma espada, na outra uma bola com uma cruz em cima, simbolizando o mundo cristão e na cabeça sua coroa de imperador. Esse belo quadro foi pintado por Albrecht Durer
Carlos Magno por Albrecht Durer
No ano 800, em Roma, na noite de Natal, Carlos Magno foi coroado imperador pelo papa Leão III. Com a coroação de Carlos Magno, a Igreja católica pretendia fazer reviver o Império Romano do Ocidente e, ao mesmo tempo, unificar a Europa sob o comando de um monarca cristão.

Carlos foi um Monarca guerreiro, expandiu o Reino Franco através de uma série de campanhas militares, em particular contra os saxões pagãos cuja submissão foi bastante difícil e muito violenta (772-804), mas também contra os lombardos em Itália e os muçulmanos da Península Ibérica, até que este se tornou o Império Carolíngio, que incorporou a maior parte da Europa Ocidental e Central. Durante o seu reinado, ele conquistou o Reino Itálico.
Carlos Magno também é chamado de "O Pai da Europa".

A expansão do império Franco

Com Carlos Magno, o império franco anexou entre outros a Saxônia, a Bavária, a Lombardia, e alguns territórios na fronteira espanhola.

mapa da Europa mostrando a expansão do império franco


II. - Os Mosteiros e Abadias no reinado de Carlos Magno


II.1 - Arquitetura típica de uma abadia beneditina


Uma arquitetura típica de um grande mosteiro / abadia beneditino, foi adotada desde o início do século IX. Um exemplo é esse do mosteiro de St. Gallen (Suíça). No centro do mosteiro está o claustro, com uma vegetação abundante, onde se organiza toda a vida intelectual e material do monge. É cercado por galerias cobertas e contígua à nave da igreja da abadia. Por sua massa, ele protege dos ventos frios, ao mesmo tempo que o expõe ao sol. A sua arquitectura de basílica favorece a disposição dos monges em longas filas e permite as procissões, que, na liturgia beneditina, desempenham um papel fundamental. Posteriormente, com o passar do tempo as naves  se tornarão mais alongadas e o coro se ampliará para abrigar as baias.

Diagrama esquemático da Abadia de Sait Gall na Suíça
Plano da Abadia de Saint-Gall, uma abadia beneditina localizada na Suíça de língua alemã. Foi fundada em 613 em homenagem a Gallus, um companheiro irlandês de São Columbano de Luxeuil. 

II.2 - A regra beneditina vivida no dia a dia


- Os mosteiros tinham o dormitório comum de acordo com o que o capítulo 22 da regra prescreve Eles estarão todos deitados no mesmo lugar, se for possível; que se um não puder por causa do grande número, eles serão dez ou vinte em uma sala, com os mais velhos que cuidarão de sua conduta. Vamos acender uma lamparina no dormitório, que ficará acesa a noite toda até de manhã . Os irmãos dormirão com suas roupas normais e cintos de couro ou de corda. Eles sempre estarão prontos quando acordarem. Eles vão se levantar, eles vão agora.

- O capítulo 38 prescreve que as refeições sejam feitas em conjuntoManteremos um silêncio tão rigoroso durante a refeição que, cessando todo o ruído, apenas a voz do leitor seja ouvida. Tudo acontece por sinais. As paredes também são revestidas de pinturas edificantes destinadas a moderar a voracidade dos monges.

A biblioteca só  se transformou em uma grande sala de trabalho  por volta dos .Séculos XVI e  XVII. Originalmente, de fato, os monges tinham apenas alguns livros destinados à liturgia, armazenados em uma espécie de armário chamado armarium , escavado na espessura da parede, próximo à porta do claustro.

Existia também a sala de justiça e a prisãoNão esqueçamos, o abade exerce, como qualquer senhor, o direito à justiça nas suas terras. Naquela época, o mosteiro tinha tudo de um empreendimento agrícola com estábulos, celeiros, estábulos, viveiros, pombais, lagar, cervejaria, lardário (sala de fumo). O curso de água essencial à vida do mosteiro era  frequentemente desviado para abastecer as oficinas e principalmente os moinhos. A leste, finalmente, ficava o cemitério dos monges, mas também os viveiros, as hortas, o aviário e também as vinhas destinadas ao vinho.

Ênfase nos trabalhos manuais:

O monasticismo beneditino ocidental construiu-se sob dois princípios, ora et labora (reza e trabalha). Em relação a isso dois aspectos importantes devem ser ressaltados: O primeiro é que os monges vão valorizar o trabalho manual, visto como indigno e exclusivo das camadas mais pobres, servos e escravos. Isso acontecia também com os gregos e os romanos. 

quadro de monges beneditinos lavrando a terra
Monges beneditinos lavrando a terra, site Beneditinos

Nos mosteiros, portanto, todos deveriam trabalhar igualmente, filhos de ricos e pobres. O segundo aspecto importante é que as atividades dedicadas ao estudo, ao conhecimento eram reconhecidas como atividades laborais. “A regra Beneditina é o primeiro reconhecimento do valor do trabalho manual na educação”

A comunidade beneditina não era uma reunião de privilegiados, mas um porto seguro para os leigos ávidos de estabilidade e paz, numa época em que romanos e bárbaros, pobres e ricos, eram arrastados aos sabores da sorte de um século de terror.


II.3 - Carlos Magno decreta que "Todos os monges do Império Franco sejam Beneditinos".

A vida monástica não escapou ao gosto de Carlos Magno pela regulamentação. O imperador impõe a Regra de São Bento e, em 817, seu filho Luís, o Piedoso, decide, auxiliado pelo monge Witiza, que  todos os monges do Império Franco serão beneditinos. Mas, ao se reservar o direito de nomear os abades, o próprio imperador é o responsável pela primeira violação da regra. 

II.4 - A diferença entre Mosteiro e Abadia

A diferença é que na Abadia, além dos serviços conventuais a abadia tem um certo número de serviços administrativos, políticos e até militares. As abadias eram parte integrante do império e sociedade carolingéa.



III. Algumas Abadias / Igrejas no tempo de Carlos Magno


a) Abadia de Monte Casino - Itália


Abadia de Monte Cassino situa-se no topo do monte homônimo, a 80 km a leste de Nápoles, na Itália.

Fundada por Bento de Núrsia por volta de 529, ela é o berço da Ordem dos Beneditinos e serviu de retiro a soberanos e pontífices como o príncipe franco Carlomano, irmão de Pepino o Breve, o rei lombardo Raquis (com sua família), e São Gregório. A abadia contém imensas riquezas, entre elas uma preciosa biblioteca (Didier, abade de 1058 a 1087, faz trazer de Constantinopla diversos livros) colocada sob a proteção direta de Roma, juntamente com uma galeria de preciosos quadros.


Foto da Abadia de Monte Cassino com uma visão de baixo para cima vendo o mosteiro emuralhado
Abadia de Monte Cassino, foto Ludmila Pileka em Wikipedia

A abadia, diversas vezes ameaçada por causa de guerras e invasões, é saqueada e queimada pelos Lombardos do duque Zotton. Reconstruída somente no início do século VIII, após um período de turbulências na Itália (devido principalmente aos Lombardos), a abadia foi novamente destruída parcialmente e incendiada por piratas sarracenos (844), depois em 1030 pelos Normandos que começaram a invadir a Itália meridional.

Mais recentemente, no início de 1944, ela foi destruída pelos bombardeios aliados durante a batalha de Monte Cassino, sendo mais tarde reconstruída tal como era antes.


b) Abadia de Jumieges

abadia de Saint-Pierre de Jumièges é uma antiga abadia beneditina fundada por São Filibert , filho de um conde franco de Vasconia por volta de 654  em uma propriedade fiscal real em Jumièges, no departamento de Seine-Maritime . Aplica-se a regra de São Bento a partir do final do século VII , tendo antes usado  provavelmente  a regra de São Columbano .

A abadia marca o auge do monaquismo normando no vale do Sena e é a maior e mais antiga das grandes igrejas da abadia normanda



foto das ruínas da Abdaia de Jumieges
Abadia de Jumieges,

c) A abadia de Saint-Pierre de Brantôme

A abadia Saint-Pierre de Brantôme, localizada em Brantôme no departamento de Dordonha , é uma antiga abadia beneditina fundada em 769 por Carlos Magno na diocese de Périgueux . Foi eliminada durante a Revolução.


foto da Abadia de Saint Pierre
Abadia de St. Pierre de Brantôme

Diz a tradição que foi Carlos Magno quem consagrou a abadia depositando as relíquias de uma criança mártir, um dos Santos Inocentes , São Sicaire . Dois painéis de madeira dourada que data do xvii século , no coro da igreja ilustrar a doação e massacre.

O Abade de Brantôme esteve presente no Concílio de Aix-la-Chapelle de 817 , convocado por Carlos Magno para reformar a vida monástica de seu império. 

Nada resta deste primeiro mosteiro, nem mesmo o conhecimento do local exato de sua instalação. Assolada duas vezes pelas incursões normandas, a primeira abadia foi de fato destruída pelos vikings em 848 e em 857.

d) Capela Palatina de Carlos Magno / Catedral de Aachen


A aliança criada entre a Igreja e o reino dos Francos por Pepino, foi mantida por Carlos Magno que uniu territorialmente a Europa Central, e foi coroado pelo papa como imperador do Sacro Império Romano Germânico.

Nesta altura era comum a existência de diversas residências reais, possibilitando o deslocamento do imperador pelo território e a sua permanência temporária em diferentes locais de modo a controlar a situação, a efectuar conferências, recolher impostos, etc. 

Também em Aquisgrano (Aachen) o imperador Carlos Magno mandou erigir um palácio a ser ocupado apenas durante as suas estadias, mas o seu gosto pela região, a grande extensão de florestas, a caça abundante e as águas termais, já muito utilizadas para curas pelos antigos romanos, levaram a que este local se transformasse na sua residência permanente e, consequentemente, no centro cultural e religioso do Império.

foto da entrada da Capela Palatina na catedral de Aachen
Capela Palatina, Catedral Aachen


A Capela Palatina é a única estrutura sobrevivente do desaparecido Palácio de Aachen de Carlos Magno. Trata-se de um dos principais monumentos do Renascimento carolíngio. Na capela estão depositados os restos mortais de Carlos Magno. O edifício foi apropriado pela dinastia otoniana, tendo aí sido realizadas a coroações entre 963 e 1531.


foto do interior da Capela Palatina na Catedral de Aachen
Capela palatina, Aachen, foto de Berthold Werner em wikipedia Commons


IV. - Renascimento Carolíngeo


No final do século VIII Carlos Magno já conseguira reunir grande parte da Europa sob seu domínio. Para unificar e fortalecer o seu império, decidiu executar uma reforma na educação. O monge beneditino Alcuíno criou um projeto de desenvolvimento escolar que buscou reviver o saber clássico estabelecendo os programas de estudo a partir das sete artes liberais: o trivium, ou ensino literário (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium, ou ensino científico (aritmética, geometria, astronomia e música). 

A partir do ano 787, foram emanados decretos que recomendavam, em todo o império, a restauração de antigas escolas e a fundação de novas. Institucionalmente, essas novas escolas podiam ser monacais, sob a responsabilidade dos mosteiros; catedrais, junto à sede dos bispados; e palatinas, junto às cortes.

Essa reforma ajudou a preparar o caminho para o Renascimento do Século XII. O ensino da dialética (ou lógica) foi fazendo renascer o interesse pela indagação especulativa, dessa semente surgiria mais tarde a filosofia cristã da escolástica; e nos séculos XII e XIII, muitas das escolas que haviam sido fundadas nesse período, especialmente as escolas catedrais, ganharam a forma de universidades medievais.

Arte Carolíngea

iluminura dos quatro evangelistas na catedral de Aquisgrano
Iluminura 4 evangelistas, catedral Aquisgrano
820.
Além de pautar por uma forte herança céltico-germânica, a arte carolíngia inspira-se na arte romana da antiguidade clássica, resultando numa comunhão entre elementos clássicos e o característico espírito emocional e conturbado da Idade Média. A sua expressão arquitectónica vai incidir especialmente na construção religiosa caracterizada por pinturas murais, pelo uso de mosaicos e baixos-relevos surgindo também neste momento a igreja com cripta envolta por deambulatório, tipologia que se irá desenvolver ao longo da Idade Média. Uma das mais significativas construções deste período é a Catedral de Aquisgrano na Alemanha.

A arte carolíngea é conseiderada antecessora das artes românica e gótica.


A seguir: Reformas Cluníacas e a Abadia de Cluny 

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V. - Referências


Wikipédia - Carlos Magno, Sacro Império Romano Germânico, Pepino, Carlos Martel