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sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

A Abadia de Cluny e o reavivamento monástico nos séculos X e XI

 I. Ordem de Cluny, O Mosteiro de Cluny e as reformas cluníacas


I.1 - Contexto histórico


No final do século IX e início do X, a Europa Ocidental se encontrava sob ataque de todos lados; os muçulmanos pelo Mediterrâneo, os viquingues a norte e os magiares a leste. As ondas de invasões à Europa se seguiram desde a queda do Império Romano e da morte de Carlos Magno.

Dentro da Igreja Católica a situação era tão caótica quanto fora; atrito com a Igreja Bizantina, influência da política italiana sobre o papado, influência de leigos dentro da Igreja, bispos e outros membros do clero misturavam suas propriedades com a da Igreja, padres casados ou vivendo em concubinato, além da prática de simonia.


foto da fachada, pátio e jardim da Abadia de Cluny


Acreditava-se que estes abusos eram resultado da interferência secular nos mosteiros e da íntima integração da Igreja com os sistemas feudal e senhorial. 

Na mesma época, o papado desejava reafirmar seu controle sobre o clero e acabar com a investidura de bispos por monarcas seculares.


I.2 - Ordem de Cluny


Ordem de Cluny é uma ordem religiosa monástica católica que se originou dentro da Ordem de São Bento, na cidade francesa de Cluny, no  movimento monacal em prol de reformas nos mosteiros. 

A ordem nasceu em um momento delicado do século X,  chamando novamente os homens à espiritualidade por meio de uma reforma monástica baseada na Regra de São Bento com algumas modificações de Bento de Aniane.

Foi por volta de setembro de 910 que o duque de Aquitania, Guilherme o Piedoso, doou terras na Borgonha para que nelas fosse estabelecido um mosteiro beneditino que não se sujeitasse ao poder laico, mas tão somente a Roma. O fundador escolheu um abade nobre da região que administrava mosteiros reformados, Bernão, abade de Baume.

De imediato o abade Bernão aplicou uma rigorosa observância à regra beneditina buscando fazer do lugar um refúgio do caos que assombrava Europa na época. Além de Cluny, Bernão também tomava conta de outros mosteiros, cedidos por nobres para que estes fossem regidos segundo as regras de Cluny. Com isso a Ordem passou a não se limitar apenas à Abadia de Cluny, mas começou a se expandir por mosteiros afora.

Os elementos da Renovação Cluníaca

Os Três elementos básicos que impulsionaram a abadia de doze monges para uma reforma inovadora foram:  colocaram-se  debaixo da proteção da santa sé de Roma, praticaram a  livre indicação do abade e a estrita observância da regra beneditina. 

Além disso, a valorização do silêncio e do trabalho intelectual mais que o trabalho manual e a prática das virtudes monásticas. A oração litúrgica torna-se então a ocupação principal. Entretanto a caridade não é deixada de lado. Os monges passam a ter seus quartos ao invés de dormitórios. 

A revolução cluníaca

Cluny virou a liturgia de cabeça para baixo, impondo orações e salmos cantados. Assim, o canto gregoriano dá agora o ritmo ao dia do monge com orações para os vários períodos do dia. Cluny revolucionou a arquitetura ao fazer a arte romana brilhar não apenas na Borgonha, mas em toda a Europa. A ordem Cluniaca demarcou as rotas de peregrinação de priorados e mosteiros e impôs um tipo de igreja chamada peregrinação.

I.3 - A Abadia de Cluny


diagrama esquemático da abadia de Cluny em 1157


I.4 - A difusão / propagação de Cluny em um ritmo relâmpago.


A ordem impôs-se em um ritmo relâmpago: em 1150, quase mil abadias que reuniam mais de dez mil monges passaram a estar sob a ordem de Cluny. Nada escapava da autoridade e do poder de Cluny, tanto política quanto religiosamente. 

A renovação monástica provocada pelo lançamento da reforma gregoriana (em homenagem a Gregório VII, papa de 1073 a 1085) supõe a total independência da Igreja em relação aos poderes temporais. Essa independência foi conquistada e se manteve até 1258, quando o Abade de Cluny renunciou à isenção e colocou sua abadia nas mãos do rei.

II. - O Edifício da Abadia de Cluny

No final do século XI, a abadia de Cluny é um dos mais importantes edifícios da Europa cristã . Ela está à frente de uma rede de quase 1.400 mosteiros associados e cerca de 10.000 monges espalhados pela Europa. 

O abade então em vigor, Hugues de Semur, decide construir uma igreja da abadia que representará o poder de Deus na terra, mas também o poder de Cluny. Em 1088, iniciaram-se as obras da "Maior Ecclesia", a maior igreja românica alguma vez construída, com abóbadas de até 30 m. Um século depois, será construída a nave frontal. Assim, a igreja da abadia de Cluny, a "Maior Ecclesia" ou mesmo Cluny III será a maior igreja da cristandade durante quase 400 anos.


Desenho do aspecto externo da Abadia de Cluny no seu auge, vendo-se a grande nave e as torres




Abades ilustres se sucederam à frente da abadia durante os séculos seguintes, como Richelieu ou Mazarin, mas nada impediria o declínio gradual da poderosa abadia. Porém, por volta de 1750, os edifícios conventuais foram reconstruídos e a abadia ficou assim dotada de um vasto complexo de estilo clássico. Os monges não tiveram tempo para ocupar as instalações porque a Revolução irrompeu logo após o trabalho de renovação. Os monges são então expulsos e dispersos pelas freguesias circundantes, os edifícios são apreendidos como propriedade nacional e colocados à venda.

foto de uma pequena área usada como depósito


A imensa igreja foi então comprada por comerciantes de materiais que a usaram como pedreira e aos poucos desmontaram esta obra-prima da arte românica.

Hoje, os vestígios que nos chegaram, o braço sul do grande transepto ou o pequeno transepto sul, dão-nos uma ideia da imensidão deste edifício. Muitos outros elementos sobreviveram: o muro e as torres, os edifícios conventuais do XVIII ° século, Farinier, Edifício XIII th século, casa para as capitais da rotunda do coro hoje do "Maior Ecclesia". O Museu de Arte e Arqueologia apresenta muitos vestígios esculpidos da igreja e da aldeia monástica.

foto aéra de parte da fachada


III. - A perda de influência e decadência de Cluny


Da mesma forma que teve uma ascenção meteórica revendo os comportamentos e trabalhos dos mosteiros, logo a abadia de Cluny se tornou muito rica, dominando muitos mosteiros e começando novamente a se afastar da obediência restrita às regras de São Bento. 

Novamente começam a surgir outras ordens de comportamento mais austero e com mais comportamento religioso e menos influências políticas. Essas ordens foram as do Cartuxos, a Cisterciense, e a dos mendicantes franciscanos. Especialmente a ordem dos Cistercienses surgiu como uma ordem reformadora dentro da regra de São Bento e constratando grandemente com a de Cluny. Os monges cistercienses se caracterizavam por seus hábitos brancos em contraposição aos hábitos negros de Cluny. São Bernardo de Claravau foi um dos expoentes da ordem de Cister. Vejamos no próximo capítulo.

Capítulos anteriores:

Cristandade, mosteiros e abadias no período de Carlos Magno

História do Monaquismo Ocidental I

IV. - Referências

https://dico-du-patrimoine.fr/la-grande-epopee-des-abbayes-en-france-une-breve-histoire-du-monachisme/