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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Missão Artística Francesa no Brasil

I - Contexto Histórico


A partir de 1813, depois da queda definitiva de Napoleão Bonaparte, Portugal, que fora ocupado pelos franceses, pôde iniciar um processo de normalização de suas relações diplomáticas, comerciais e culturais com a França. Nesta altura a sede do reino português estava instalada no Rio de Janeiro, onde a corte se havia refugiado.


quadro Batalha de Waterloo com a derrota dos franceses
Batalha de Waterloo, pintura de William Sadler II 


O príncipe regente Dom João desde sua chegada havia procurado dinamizar a vida da então colônia. Entre outras medidas, abriu os portos brasileiros para as nações amigas, fundou o Banco do Brasil, fomentou uma indústria incipiente e estimulou a vida cultural especialmente na capital, e, no contexto das negociações do Congresso de Viena, em 1815 alçou o Brasil à categoria de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.  


quadro da chegada de Dom João VI ao Brasil
Chegada de Dom João VI, óleo de Armando Martins Vianna
Do ponto de vista administrativo, não seria producente, para uma corte instalada no exílio, manter uma terra enorme sob o antigo perfil extrativista e agrário, com uma administração semifeudal, quando a metrópole estava talvez perdida para sempre, a ciência estava em alta e a indústria começava a se tornar desejada e necessária. Não havia garantia de quando a volta seria, se é que haveria um retorno, e assim melhor fazer esta imensidão ser competitiva diante da comunidade das nações.  Além disso a instituição de um sistema de ensino superior em artes e ofícios viria a minimizar o vazio provocado pela expulsão dos jesuítas, que antes administravam boa parte do ensino. 



quadro com a figura de Von Humboldt
Humboldt, por Joseph Stieler
Nesse ambiente de renovação, segundo Neves, António de Araújo e Azevedo, o 1.º conde da Barca, ministro do reino, teve a ideia de convidar alguns artistas franceses para que trouxessem para o Brasil elementos louváveis e desejáveis da civilização francesa. Com o estabelecimento de acordos comerciais com a França em 1815, se iniciaram as negociações para a organização do grupo. 

Como intermediários do governo português na França, estavam o embaixador Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho, Marquês de Marialva, e o encarregado de negócios em Paris, Francisco José Maria de Brito, que consultaram o naturalista Alexander von Humboldt a respeito do assunto. Humboldt indicou, então, o nome de Joachim Lebreton, que fora secretário do Institute de France e recém havia sido demitido por suas ligações com o finado regime bonapartista. Ele, por sua vez, assumiu a liderança do projeto e reuniu um grupo de interessados em se transferir para o Brasil, desde que o governo português financiasse a viagem e seu estabelecimento. (Texto retirado da Wikipedia.com - Missão artística francesa)


II - Os Componentes da Missão


O grupo aportou no Rio de Janeiro a 26 de março de 1816, a bordo do navio Calpe, escoltado por navios ingleses. Ele era liderado por Joachim Lebreton e foi amparado pelo governo de Dom João VI, mas seu trabalho tardou a frutificar, encontrando a resistência da tradição barroca firmemente enraizada e tendo de enfrentar a escassez de recursos financeiros e uma série de intrigas políticas que dissolveram boa parte do primeiro entusiasmo oficial pelo projeto.

Os franceses vindos nesta Missão deveriam, então, criar uma nova geração de artistas baseados nos princípios neoclássicos, que eram os mais modernos na época.

Principais artistas (fonte IPHAN Minc - www.cultura.gov.br)


Joachim Le Breton (1760-1819) 


quadro com a figura de Lebreton
LEBRETON, por Adelaide Labille-Guiard,1795
Conhecido como o chefe da Missão Artística Francesa, foi secretário perpétuo da Classe de Belas-Artes do Instituto da França e um intelectual muito respeitado, que trouxe além de seus conhecimentos um acervo de obras ainda não visto no Brasil. Foi o primeiro a se empenhar na missão de institucionalizar o ensino das artes no País. Morreu na cidade do Rio de Janeiro.







Jean Baptiste Debret (1768-1848) 

quadro com autorretrato de Jean Baptiste Debret
autorretrato Debret
Pintor e desenhista, Debret foi um dos principais personagens da Missão, deixando um amplo registro sobre os costumes e a paisagem brasileira. Frequentou a Academia de Belas Artes na França, na qual foi aluno do pintor Jacques-Louis David, o principal nome do neoclassicismo francês. Atuou como professor de pintura histórica na Academia Imperial de Belas Artes no Brasil, entre 1826 e 1831. No ano de 1829, promoveu a Exposição da Classe de Pintura Histórica da Imperial Academia das Belas Artes, que se tornou a primeira mostra pública em território nacional. Retornou à França, em 1831, e editou o livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, em três volumes.

Exemplos da Obra de Debret



gravura de Debret, dois escravos negros se preparando para carregarem cestos de mercadorias gravura de duas fileiras de escravos carregando um tonel suspenso por cordas



Nicolas Antoine Taunay (1755-1830) 


Foi, assim como Debret, um importante pintor e ilustrador. Registrou alguns momentos da campanha de Napoleão Bonaparte. Com o fim do império napoleônico, veio ao Brasil com a Missão Francesa em 1816. Atuou como professor de pintura de paisagem na Academia Imperial de Belas Artes. Por divergências com a administração da Academia, retornou à França em 1821.


quadro da Vista da Baía do Rio de Janeiro de Nicolas Taunay
Vista da Baía do Rio de Janeiro, a partir do Morro de Santo Antônio, Nicolas Taunay, 1816,
Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro


Auguste Henry Victor Grandjean de Montigny (1776-1850) 


quadro de Montigny por Augusto Muller
Montigny, por Augusto Muller
Arquiteto e urbanista, formou-se pela École d'Architetucture [Escola de Arquitetura] de Paris. Foi um profissional influente no império napoleônico. Com a derrocada de Napoleão, Grandjean de Montigny aceitou o convite para integrar o grupo de franceses que viriam ao Brasil. Atuou na Academia Imperial como professor de arquitetura. Permaneceu no País até sua morte e deixou como obras, na cidade do Rio de Janeiro, o edifício da Praça do Comércio, atual Casa França Brasil; o Solar Grandjean de Montigny, no bairro da Gávea; e a Academia Imperial de Belas Artes, da qual só permaneceu o portal, hoje instalado no Jardim Botânico, na cidade do Rio de Janeiro.


Obras de Montigny


foto do portal da Academia de Belas Artes com porta em arco no primeiro pavimento e colunas no segundo pavimento no estilo clássico
Portal da Academia de Belas Artes
fotografia da atual casa França Brasil
Antiga Praça do Comércio, atual Casa França-Brasil


Outros componentes da Missão ao Brasil

Além dos já citados acima o grupo tinha os discípulos de Montgny Charles de Lavasseur e Louis Ueier, Auguste Marie Taunay, escultor, Charles-Simon Pradier, gravador, François Ovide, mecânico, Nicolas Magliori Enout, serralheiro, Pelite e Fabre, peleteiros, Louis Jean Roy e seu filho Hypolite, carpinteiros, François Bonrepos, auxiliar de escultura, e Félix Taunay, filho de Nicolas-Antoine, ainda apenas um jovem aprendiz. 

Acrescenta-se ainda, os nomes de Sigismund Neukomm, músico; e Pierre Dillon, secretário de Lebreton, Marc Ferrez, escultor  e Zéphyrin Ferrez, gravador de medalhas.´

III - O trabalho  da Missão Artística


Em 12 de junho de 1816, Lebreton elaborou um memorando para o Conde da Barca onde propôs instaurar uma nova metodologia de ensino através da criação de uma escola superior de belas-artes com disciplinas sistematizadas e graduadas.

Mas a realidade contradisse suas expectativas. Embora com o apoio real, a missão encontrou resistência entre os artistas nativos, ainda seguidores do barroco, e ameaçavam a posição de mestres portugueses já estabelecidos. A verdade é que os franceses foram recebidos como importunos tanto por portugueses quanto por brasileiros. 

A rainha dona Maria I faleceu em 1816, e o projeto de modernização da capital avançava lentamente. O governo central tinha muitas outras preocupações a atender - o acompanhamento da instável situação na Europa, uma revolução em Pernambuco, as constantes demandas administrativas internas, o alto custo de manutenção da corte, uma recessão provocada pela drástica queda no preço internacional do açúcar e do algodão, uma grave seca no Nordeste que desestruturou a economia regional, e os conflitos de fronteira no sul na Questão Cisplatina, subtraindo recursos e atenção do projeto cultural francês. 


Revolução Pernambucana de 1817


A chamada Revolução Pernambucana, também conhecida como Revolução dos Padres, foi um movimento emancipacionista que eclodiu em 6 de março de 1817, na então Capitania de Pernambuco, no Brasil.
quadro Benção das Bandeiras, de Antônio Parreiras
Benção das Bandeiras, pintura de Antonio Parreiras
Dentre as suas causas, destacam-se a influência das ideias Iluministas propagadas pelas sociedades maçônicas, a crise econômica regional, o absolutismo monárquico português e os enormes gastos da Família Real e seu séquito recém-chegados ao Brasil — o Governo de Pernambuco era obrigado a enviar para o Rio de Janeiro grandes somas de dinheiro para custear salários, comidas, roupas e festas da Corte, o que ocasionava o atraso no pagamento dos soldados, gerando grande descontentamento do povo brasileiro.


Foi o único movimento separatista do período colonial que ultrapassou a fase conspiratória e atingiu o processo revolucionário de tomada do poder.

Falecimento do Conde da Barca e as implicações no Projeto


O principal e um dos únicos verdadeiros incentivadores do projeto, o Conde da Barca, faleceu no ano seguinte, o contrato dos artistas foi posto em discussão e o cônsul francês no Brasil, coronel Maler, não via com bons olhos a presença de bonapartistas, sendo mais tarde acusado por Taunay de ser o principal entrave ao bom desenvolvimento do projeto.

Enquanto a Escola não era instalada definitivamente, ficando à mercê das oscilações políticas e sofrendo modificações no projeto original, sucumbindo, como lamentava Debret, aos "aos erros e vícios do ancien régime", os artistas sobreviviam da pensão que lhes concedera o governo, e ocupavam-se aceitando encomendas de retratos e organizando festas suntuosas para a corte, ao lado das aulas que conseguiam ministrar nas precárias condições em que se achou o projeto nos primeiros anos.


quadro da Marquesa de Belas por Taunay
Marquesa de Belas, 1816, Taunay
quadro de Dom João VI em vestes imperiais por Debret
Dom Joao VI, obra de Debret

O próprio grupo enfrentava dissidências internas, lutas pelo poder, e Lebreton foi acusado de favorecimentos indevidos e má administração, e teve de se isolar de todos, falecendo em seguida, em 1819. Como seu sucessor, foi nomeado o português, professor de desenho, Henrique José da Silva, artista conservador, ferrenho crítico dos franceses. O seu primeiro gesto foi liberar os franceses de suas obrigações como professores. 

Tantas foram as dificuldades que Nicolas-Antoine Taunay abandonou o país em 1821 (ano da morte de Napoleão), deixando para trás o seu filho, Félix Taunay. Pouco depois, o Taunay escultor também faleceu, desfalcando ainda mais o grupo primitivo, do qual foram efetivamente aproveitados pelo governo apenas cinco integrantes: Debret, Nicolas Taunay, Auguste Taunay, Montigny e Ovide.

Passaram dez anos antes de a Missão dar seus primeiros frutos significativos com a inauguração, em 5 de novembro de 1826, com a presença de dom Pedro I, da Academia Imperial. Em 1831, Debret também retornou à França



IV - A Academia Imperial de Belas Artes e o Legado da Missão Artística Francesa


 a) Programa de Ensino


O programa de ensino foi delineado por Lebreton, conforme atesta um memorando seu enviado ao rei em 12 de junho daquele ano. Nele o autor divide o ciclo de aprendizado artístico em três etapas, a partir do sistema consagrado pela Academia Francesa: 

  • Desenho geral e cópia de modelos dos mestres, para todos os alunos;
  • Desenho de vultos e da natureza, e elementos de modelagem para os escultores;
  • Pintura acadêmica com modelo vivo para pintores; escultura com modelo vivo para escultores, e estudo no atelier de mestres gravadores e mestres desenhistas para os alunos destas especialidades.
Para a arquitetura haveria também três etapas divididas em teóricas e práticas:

Na teoria:
  • História da arquitetura através de estudo dos antigos;
  • Construção e perspectiva;
  • Estereotomia.

Na prática:
  • Desenho;
  • Cópia de modelos e estudo de dimensões;
  • Composição.

Paralelamente Lebreton sugeria ainda o ensino da música, bem como sistematizava o processo e critérios de avaliação e aprovação dos alunos, o cronograma de aulas, sugeria formas de aproveitamento público dos formados e projetava a ampliação de coleções oficiais com suas obras, discriminava os recursos humanos e materiais necessários para o bom funcionamento da Escola, e previa a necessidade da formação de artífices auxiliares competentes através da proposta de criação paralela de uma Escola de Desenho para as Artes e Ofícios, cujo ensino seria gratuito mas igualmente sistemático


b) Primeiros frutos


Alguns dos primeiros alunos da escola também acabaram se destacando e perpetuando o ideal primitivo, entre eles Simplício de Sá e José de Cristo Moreira, portugueses; Afonso Falcoz, francês; Manuel de Araújo Porto-Alegre, Francisco de Sousa Lobo, José dos Reis Carvalho, José da Silva Arruda e Francisco Pedro do Amaral, brasileiros. 

Após a Independência do Brasil, em 1822, a escola passou a ser conhecida como Academia Imperial das Belas Artes e, mais tarde, como Academia Imperial de Belas Artes. A instituição foi definitivamente instalada em edifício próprio, projetado por Montigny, em 5 de novembro de 1826, sendo inaugurado por Dom Pedro I. 


c) Primeira exposição


A Academia foi responsável pela primeira exposição de Artes realizada no país, a Exposição da Classe de Pintura Histórica, instalada em 1829. Essa exposição havia sido determinada pelo Imperador, por Aviso Ministerial de 26 de Novembro de 1828.



quadro de Dom Pedro I
Dom Pedro I - Simplício de Sá
Entre as obras destacavam-se, na seção de pintura, Debret, com dez quadros, entre os quais A Sagração de D. Pedro I, O Desembarque da Imperatriz Leopoldina e Retrato de D. João VI; Félix Taunay, com quatro paisagens do Rio de Janeiro; Simplício de Sá, com alguns retratos; Cristo Moreira, com figuras históricas, marinhas e paisagens; Francisco de Sousa Lobo, com retratos e figuras históricas; Reis Carvalho, com marinhas, quadros de flores e frutas; Silva Arruda, com estudos; Afonso Falcoz, com estudos de cabeça, retratos, esboços e desenhos; João Clímaco, com estudos de desenho; e Augusto Goulart, com desenhos e estudos anatômicos.

d) Apogeu 


A Academia se consolidava, antigos alunos se tornavam mestres e muitos outros estrangeiros foram atraídos para seu círculo, dinamizando a vida cultural do Rio de Janeiro e, por extensão, de todo o Império. Dentre todas as especialidades artísticas, neste período a pintura de temas históricos se tornou a mais prestigiada, seguida pelos retratos oficiais e só depois pelos outros temas, como a paisagem e a natureza-morta, numa hierarquização de categorias que estava ligada a preceitos essencialmente morais e educativos típicos do Academismo.

Os frutos mais brilhantes desta verdadeira revolução cultural centrada na AIBA surgiram nas duas décadas finais do Império, primeiro através da obra de Victor Meirelles e Pedro Américo, e logo após com as de Almeida Júnior, Rodolfo Bernardelli e Rodolfo Amoedo, além do grupo de paisagistas reunido em torno do alemão Georg Grimm. 


Destacando-se entre o grande número de artistas então em atividade, Meirelles e Américo são os maiores vultos de sua geração, criadores de obras que permanecem até hoje vivas na memória coletiva nacional. Do primeiro são A Primeira Missa no Brasil (1861), a Batalha de Guararapes (1879), o Combate Naval do Riachuelo (1882-83) e Moema (1866), e do segundo, A Fala do Trono (1872), A Batalha de Avaí (1877), O Grito do Ipiranga (1888) e Tiradentes Esquartejado (1893).


quadro da primeira missa no Brasil por Victor Meirelles
Primeira Missa, Victor Meireles
quadro do Grito da Independência por Pedro Américo
Independencia, Pedro Américo


Embora menos conhecidos pelo grande público, outros citados também deixaram algumas obras emblemáticas. Amoedo foi autor de O Último Tamoio (1883), um ícone do indianismo, e Almeida Júnior, de O Derrubador Brasileiro (1879), O Descanso do Modelo (1882), Caipira Picando Fumo (1893) e O Violeiro (1899), fixando tipos interioranos e cenas da vida urbana.


V - Referências


Missão Artística Francesa - Wikipedia

Academia Imperial de Belas Artes - Wikipedia